Juízes, advogados e servidores protestam contra ameaças à Justiça do Trabalho
Em manifestação diante do Fórum em São Paulo, desembargadora alerta para “um bando de jagunços que não quer a lei” e enfatiza importância de manter rede de proteção social. Houve atos em 34 cidades.
Ainda que o governo tenha dado “garantias” de que não vai mexer no setor sem consulta prévia, magistrados, advogados e servidores mantiveram os atos previstos para hoje (21) em defesa da Justiça do Trabalho. Em São Paulo, a atividade foi diante do Fórum Ruy Barbosa, na Barra Funda, zona oeste da capital, com trânsito fechado das 10h às 12h, aproximadamente, em um quarteirão da Avenida Marquês de São Vicente, com carro de som, bandeirão, balões soltos no final e um “abraço” ao prédio, onde se concentram as Varas do Trabalho do município, correspondentes à primeira instância do tribunal da 2ª Região, que abrange a Grande São Paulo e a Baixada Santista.
Durante o evento, se repetiam refrões como “Ô Bolsonaro, presta atenção, tem mentiroso te levando enganação” e “Jair Bolsonaro, o brasileiro quer Justiça do Trabalho”. Na última sexta-feira (18), o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Brito Pereira, disse em ofício que havia conversando com o presidente da República e que recebeu garantias de que o governo não pretende acabar com esse ramo do Judiciário. Por isso, o magistrado chegou a considerar “inoportuno” um apoio institucional ao protesto – organizado por entidades como Anamatra (associação dos magistrados) e Abrat (advogados trabalhistas), com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), centrais sindicais e sindicatos de servidores.
Apesar da grande concentração diante do fórum inaugurado em 2004, que recebe aproximadamente 25 mil pessoas por dia, as atividades foram mantidas. Segundo a assessoria do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), não houve alteração no funcionamento, “salvo suspensões pontuais de audiências, decididas pelos próprios magistrados”.
Os diversos oradores enfatizaram a função social do Judiciário trabalhista, que justamente por isso estaria na mira de setores do governo e empresariais. A desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi destacou a “importância dessa tela pública de proteção social” e acrescentou que é preciso compreender a “lógica” do que vem sendo dito pelo novo governo. “Somos a favor de uma regulação pública, universal, que integre os trabalhadores”, afirmou Magda, que participa do Fórum contra as Terceirizações e é pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Barbárie e “revisionismo”
Ela pediu a superação de possíveis “pequenas divergências ideológicas” para resistir à “avalanche” representada pelo governo Bolsonaro. E união para se contrapor a “um bando de jagunços que não quer a lei”. A desembargadora também se manifestou contra a “barbárie” e criticou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 300), que altera dispositivos como o da jornada diária, que poderia ser estendida para 10 horas, aviso prévio (para um máximo de 30 dias) e prazo de prescrição para proposição de ações trabalhistas, que seria reduzido de dois anos para apenas três meses.
Segundo a Anamatra, houve atos em 34 cidades pelo país. “Somos o ramo do Judiciário que mais realiza conciliações, fomos os primeiros a virtualizar 100% dos processos novos e conquistamos em 2018, dos 30 selos ‘ouro’ distribuídos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) aos tribunais do país, 17 foram outorgados a tribunais do trabalho”, disse o presidente da entidade, Guilherme Feliciano. “Todos esses números só refletem que o grande ganho que a Justiça do Trabalho oferece à sociedade é a pacificação social. A função da Justiça do Trabalho não é dar lucro ao Estado, mas garantir direitos constitucionais e segurança jurídica.”
Magistrado do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região, em Campinas, interior paulista, Jorge Luiz Souto Maior afirmou que o ato desta segunda-feira inaugura “um enorme movimento em defesa dos direitos sociais”. Coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC), ele fez referência a um “revisionismo histórico” que tentaria transformar direitos conquistados após muita mobilização em “privilégios ou meros custos econômicos”. O grupo, formado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), reúne outras instituições e quase 300 pesquisadores.
Para o secretário de Assuntos Legais da Confederação Nacional das Profissões Liberais, Walter Vettore, o fim do Ministério do Trabalho, por parte do atual governo, foi um “prenúncio” do que poderia acontecer no campo trabalhista. Ele afirmou que as primeiras iniciativas de ditadores como Benito Mussolini (Itália) e Augusto Pinochet (Chile) incluíram investidas contra os órgãos equivalentes à Justiça especializada. “Que ele (Bolsonaro) nos assegure que a Justiça do Trabalho é intocável”, afirmou.
O presidente da Aojustra, associação dos oficiais de Justiça da 2ª Região, Thiago Duarte Gonçalves, afirmou que o ramo trabalhista é o único “que distribui renda, que tem uma função social, que faz uma pacificação histórica”. Diretor da Federação Nacional dos Advogados, Oscar Alves de Azevedo avaliou que durante o ano passado a categoria se omitiu em relação aos questionamentos da “reforma” trabalhista. “Nós vemos leis sendo liberadas nas sombras, decididas em pequenos grupos.”
No próximo 5 de fevereiro, após a retomada de atividades do Judiciário, será realizado em Brasília um ato nacional em defesa da Justiça do Trabalho.