‘No Brasil, pobres pagam mais e ricos não pagam impostos’, afirma economista
Simplificação dos impostos sobre o consumo não basta. “Taxar os super-ricos para reconstruir o país” é o que defende campanha lançada nesta quinta-feira
São Paulo – O economista Eduardo Fagnani, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirmou nesta quinta-feira (6) que a desigualdade social no Brasil – uma “doença” – é fruto de um sistema de impostos “secularmente regressivo”. Segundo ele, as consequências econômicas e sociais da pandemia tornam urgente uma reforma tributária que permita ao Estado ter capacidade de dar respostas a esta crise.
Mas três dos quatro projetos de reforma em tramitação no Congresso Nacional consideram apenas a simplificação dos impostos sobre o consumo, lembra o economista. São propostas que já eram “insuficientes” antes da pandemia, e que agora se tornaram “anacrônicas”.
“Somos vice-campeões na tributação do consumo, que atinge a todos e, proporcionalmente, pesa mais sobre os mais pobres. Por outro lado, somos os lanternas entre os países do mundo na tributação da renda e do patrimônio”, disse Fagnani.
Por isso, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), o Instituto Justiça Fiscal (IJF), em parceria com o coletivo Auditores pela Fiscais pela Democracia e outras dez delegacias sindicais do Sindifisco Nacional, lançaram a campanha “Taxar os super-ricos para reconstruir o país”.
O manifesto da campanha traz oito propostas que isentam os mais pobres e as pequenas empresas, elevam os repasses a estados e municípios e aumentam a tributação sobre os super-ricos. Esse grupo inclui 600 mil pessoas, que representam a fatia dos 0,3% mais ricos da população. No entanto, os impactos dessas medidas trariam acréscimo de R$ 290 bilhões anuais na arrecadação. Essas medidas estão alinhadas com com a proposta de Reforma Tributária Justa e Solidária, que conta com o apoio de mais de 200 parlamentares de 11 partidos, entre os quais PCdoB, PSB, Psol, PT e Rede.
A saída
A auditora fiscal Patricia Gomes, representante das delegacias sindicais do Sindifisco, afirmou que tributar os super-ricos é a “única saída” para o enfrentamento da crise atual. Mas, apesar desse cenário adverso, “só se fala em cortes, em enxugamento da máquina e redução do Estado”. Ela disse que é preciso “continuar sonhando” com o dia em que a tributação se torne “o mecanismo por excelência” de distribuição de renda no país.
Segundo o presidente da Fenafisco, Charles Alcantara, é “urgente e imperativo” que os brasileiros mais ricos contribuam. “Não há meio mais efetivo de garantir que os acumuladores de fortuna deem sua cota de contribuição, se não por meio de impostos progressivos sobre a renda e o patrimônio”, afirmou.
O vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários da Anfip, César Roxo, afirmou que o atual sistema tributário “aprofunda as desigualdades sociais e impede o desenvolvimento econômico-social do país”. Em vista disso, ele espera que as propostas de mudanças apresentadas no documento “tenham boa aceitação por parte do Congresso Nacional”.
Isaac Falcão, dos Auditores pela Democracia, destacou que a tragédia da pandemia é pior no Brasil por conta de uma espécie de “mão invisível”, que é a desigualdade social. Ele classificou as propostas de simplificação dos impostos sobre o consumo como uma “cloroquina tributária“, sem eficácia comprovada no combate à doença.
Já a diretora da IJF Maria Regina Paiva Duarte disse que é preciso que a tributação “não recaia sempre nas costas dos mais pobres”. “Temos a conta da saúde, da educação, a conta da covid-19, do desemprego. Vamos ter que apresentar essa conta para os super-ricos, que são apenas 0,3% dos contribuintes”, destacou.
As propostas do documento se dividem em dois grupos: medidas tributárias permanentes e estruturantes e as temporárias. Confira a seguir.
Permanentes
O primeiro grupo contempla propostas de mudanças no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), com isenção para os que ganham até três salários mínimos. E a criação de novas alíquotas – de 30%, 35%, 40% e 45% para incidir sobre os maiores rendimentos. Essas novas faixas alcançariam cerca de 1 milhão de contribuintes.
Inclui também a elevação do Imposto sobre Doações e Heranças e a regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas (IGF). A criação da Contribuição Social sobre as Altas Rendas da Pessoa Física. E a elevação da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), exceto para empresas do Simples.
Preveem ainda a redução da tributação das microempresas e empresas de pequeno porte. Para reforçar o pacto federativo, propõe a repartição de parcela das receitas adicionais do Imposto de Renda e do IGF com estados e municípios.
Temporárias
A primeira medida é a elevação da CSLL para setores econômicos com alta rentabilidade no quadriênio 2021-2024. A segunda propõe que nos cinco anos após à instituição do IGF, as alíquotas – de 0,5%, 1% e 1,5% –, sejam elevadas para 1%, 2% e 3%, respectivamente. Incidiriam sobre as seguintes faixas de patrimônio: acima de R$ 10 milhões até R$ 40 milhões; acima de R$ 40 milhões, até R$ 80 milhões; e acima de R$ 80 milhões.
(Tiago Pereira/RBA)