O feminino na resposta a pandemia de Covid-19
por Ceuci Nunes
O Dia Internacional da Mulher, é uma data muito importante pelo seu simbolismo e para refletirmos o quanto somos importantes, o quanto tentam nos calar, mas especialmente o tanto que temos que lutar por um mundo mais justo e menos desigual.
A minha experiencia de quase um ano à frente do combate a esta pandemia, me faz pensar que a mulher é o lado mais potente e ao mesmo tempo o mais frágil deste momento tão difícil que estamos vivendo, especialmente no Brasil, onde o governo central não tem a mínima empatia com a morte e o sofrimento das brasileiras e dos brasileiros.
Sei que minha experiencia pode não representar a realidade de outros locais, mas com certeza temos realidades parecidas no Brasil.
Lidero uma equipe no Instituto Couto Maia (ICOM), hospital de quase 168 anos, referência e especializado em doenças infectocontagiosas na Bahia, que desde 23 de março de 2020 se transformou numa unidade Covid-19. Internamos 2.758 pessoas vindas de 202 municípios baianos.
A pandemia surgiu como uma avalanche, avassaladora e necessitávamos de uma resposta muito rápida e que precisava ser muito eficiente. A equipe de líderes, composta por 68% de mulheres, tem dado o seu melhor. São as mulheres escrevendo protocolos de assistência, de biossegurança, treinando os novos profissionais sem experiencia, avaliando protocolos de pesquisa, gravando vídeos educativos e planejando as ações que precisavam ser imediatas.
As equipes de assistência e apoio é compostas também majoritariamente por mulheres (70%): técnicas de enfermagem, enfermeiras, médicas, fisioterapeutas, psicólogas, assistentes sociais, nutricionistas, farmacêuticas, técnicas de laboratório, secretárias, recepcionistas, auxiliares de higienização, copeiras, cozinheiras, etc. Mulher que não acaba mais.
Estas mulheres que estão ali no hospital, humanizando a assistência, fazendo vídeo chamadas, lendo as cartas enviadas por familiares no nosso Clube de Cartas, conversando com as famílias na hora grave dos avisos de óbito, passando Boletins, são as mesmas que avaliam, prescrevem, fazem as medicações, dão banho nos pacientes, limpam os leitos, entre tantas e intermináveis tarefas de assistência, apoio e liderança.
Também são estas mesmas mulheres que estão nas suas casas, arcando com as tarefas de limpeza, cozinhando, tomando contas das crianças que estão sem escola, assumindo de forma desigual um trabalho que deveria ser dividido meio a meio com seus maridos, namorados, irmãos, pais e filhos.
As mulheres também foram vítimas da doença (na Bahia 55 % dos casos confirmados de Covid-9 são mulheres). No ICOM, 56% dos internados são mulheres. Esta carga é especialmente pesada para as puérperas que muitas vezes ficam internadas em UTI e seus filhos recém nascidos ficam longe do seu colo e do seu leite, às vezes também em leitos de UTI. É uma maternidade carregada de dor.
Mas temos também motivos para comemorar, uma comemoração em meio a muito luto. Cada alta, cada melhora das taxas de letalidade, cada avanço da ciência e mais recentemente cada pessoa vacinada. O curso lento da vacinação nos preocupa muito, pois não queremos apenas que nós e nossos colegas sejam vacinados, queremos que nossos pais, avós, filhos, tios e nossos amores também participem desta emoção. Sabemos que precisamos de vacina para todos, para enxergarmos a grande luz no fim do túnel, embora as pequenas luzes dos vagalumes já nos encham de alegria.
O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é uma data muito importante pelo seu simbolismo e para refletirmos o quanto somos importantes, o quanto tentam nos calar, mas especialmente o tanto que temos que lutar por um mundo mais justo e menos desigual. Precisamos ocupar os espaços de liderança, os espaços de poder, pois temos uma utopia que nos move, a construção de um mundo melhor.