Sindicatos americanos esperam diálogo, proteção à saúde e ‘reconstrução’
Vitória do candidato democrata para a presidência dos EUA animou sindicalistas, que esperam ser mais ouvidos pelo novo governo
O movimento sindical norte-americano reagiu com ânimo ao resultado eleitoral, ainda que Joe Biden não fosse o candidato dos sonhos. A central AFL-CIO, por exemplo, disse esperar por um governo mais pró-trabalhador, afirmando que seus 12,5 milhões de sindicalizados e 56 entidades filiadas estão ansiosas para ter “mais voz em nossa economia e em nossa política”. Para os dirigentes dos sindicatos americanos, é momento de – com atraso – implementar uma agenda do trabalho.
Quanto ao significado político da eleição, o presidente da AFL-CIO, Richard Trumka, não tem dúvida. “A democracia está prevalecendo”, afirma. “A vitória de Joe Biden e Kamala Harris nesta eleição livre e justa é uma vitória para o movimento operário dos Estados Unidos. Em todas as partes, os trabalhadores lutam heroicamente e com resiliência contra essa pandemia, a retração econômica, a crônica desigualdade salarial e o racismo sistêmico”, acrescenta o dirigente.
“Verdadeira reconstrução”
O primeiro passo, segundo ele, seria aprovar a chamada lei Heroes, de combate à covid-19. “Para proporcionar a nossas famílias e comunidades apoio e serviços de emergência frente a esse vírus mortal”, diz Trumka. A partir daí, aponta, “a verdadeira reconstrução pode começar”.
Outra reivindicação dos sindicatos americanos é a aprovação pelo Congresso, com ratificação de Biden, da Lei de Proteção ao Direito de Organização (PRO, na sigla em inglês), no início do ano que vem. “Para garantir que todo trabalhador que queira formar ou filiar-se a um sindicato possa fazê-lo de forma livre. Os trabalhadores querem que nossos líderes atuem rapidamente e pensem com mais ousadia do que nunca. Este é o momento de começar.” As restrições à liberdade sindical têm como exemplo a montadora Nissan, que foi alvo de protestos pelo mundo, inclusive no Brasil.
Desemprego e desigualdade
O desemprego também preocupa os sindicatos americanos, especialmente no período pós pandemia. A taxa de desemprego vem caindo nos últimos meses, mas segue bem acima de 2019. Em outubro, foi de 6,9%, segundo o Departamento de Trabalho dos Estados Unidos. Era de 7,9% em setembro, mas um ano atrás estava em 3,6%. Nesses 12 meses, o total de desempregados foi de 5,857 milhões para 11,061 milhões. No Brasil, esse número já chegou aos 14 milhões.
Mas os dados do mercado norte-americano revelam desigualdades. A taxa de desemprego, por exemplo, é menor para homens adultos (6,7%), mulheres adultas (6,5%) e brancos (6%). E maior para jovens (13,9%), negros (10,8%) e hispânicos (8,8%). São 3,6 milhões de americanos sem trabalho há 27 semanas ou mais e 2,6 milhões, de 15 a 26 semanas. Além disso, boa parte é de ocupações temporárias ou de tempo parcial.
Diálogo social
Os desafios são muitos, mas o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa, aponta mudanças importantes, como o retorno americano aos organismos multilaterais. “Temos críticas, mas desconsiderá-los é pior ainda”, observa. São nesses espaços, lembra, que há “alguma possibilidade de enfrentar certos temas”, como na mais do que nunca urgente questão da saúde.
A expectativa dos sindicalistas americanos é positiva, mas Lisboa observa que ainda há preocupação com o resultado final da eleição no Congresso. Existe perspectiva de fortalecimento do diálogo social, de possível aprovação da PRO e da reconstrução de um sistema público de saúde. “Acredito que a relação do novo governo com o movimento sindical será muito melhor.”
Brasil-EUA
Quatro anos atrás, Donald Trump se elegeu com a retórica da “América grande” e da criação de empregos para os americanos, com viés xenófobo. “Em 2016, isso funcionou bem. Esse discurso acabou conquistando parte dos trabalhadores, mesmo com a campanha do movimento sindical para o Partido Democrata”, diz Lisboa. Agora, embora Biden venha do “centro” democrata – havia a preferência da ala mais progressista por Bernie Sanders –, prevaleceu a necessidade de derrotar Trump.
As relações entre sindicalistas brasileiros e norte-americanos foram mudando com o tempo. Se décadas atrás havia certa desconfiança por certa ligação da AFL-CIO com as políticas intervencionistas dos Estados Unidos, hoje a ligação se estreitou. Lisboa indica uma “virada à esquerda” a partir dos anos 1980. No caso da CUT, essa aproximação veio com o primeiro encontro entre sindicalistas duas duas centrais, em 1993.
Desde então, a participação da AFL-CIO é efetiva inclusive dentro da Central Sindical dos Trabalhadores das Américas, a CSA. Os americanos também se posicionaram claramente contra a deposição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2018. “Eles foram extremamente solidários.”
Por Vitor Nuzzi, da RBA
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